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sábado, 11 de junho de 2016

TEORIA DO CONHECIMENTO E A CIÊNCIA EM KANT


 Immanuel Kant (1724-1804) pode ser considerado um divisor de águas na história da filosofia. Há quem afirme que se pode fazer uma filosofia contra Kant ou a favor de Kant; mas nunca sem Kant. De fato Kant é dos maiores filósofos da modernidade. Seu pensamento propôs uma revolução tão grande e significativa que ele próprio o comparou a revolução criada por Copérnico no campo da astronomia; destarte surgiu a expressão “Revolução copernicana de Kant”; referindo-se à revolução que Kant propôs com relação ao tema do conhecimento.O presente artigo tem como base a obra “Crítica da Razão Pura”. É nesta obra que Kant vai tratar do problema do conhecimento, do valor dos conhecimentos e é aqui que poderemos constatar a revolução copernicana realizada por Kant. Nosso objetivo aqui é mostrar como os juízos são necessários no processo do conhecimento. Porém antes de nos atermos aos juízos analisaremos alguns aspectos do processo de conhecimento em Kant que nos ajudarão a distinguir os juízos.

Para entendermos adequadamente o alcance das afirmações de Kant, precisamos situá-lo no contexto do Iluminismo. Este percorreu duas etapas: a primeira, ligada à concepção absolutista da razão, encontra a capacidade de organizar racionalmente os dados da experiência num princípio único, identificado com o Soberano Absoluto. Seria o momento do absolutismo, personificado na figura de Luís XIV (ao longo do século XVII). Entre 1680 e 1715 este modelo entrou em crise, no momento identificado por Paul Hazard como “crise da consciência européia” [cf. Hazard, La crise de la conscience européenne, Paris: Fayard, 1961].

Na segunda etapa do Iluminismo, encontramos a razão sendo apropriada pelos membros da sociedade; é a etapa correspondente às grandes revoluções do século XVIII, que culminam com a Revolução Francesa (1789). (É claro que este momento foi precedido, de forma pioneira, pela Gloriosa Revolução britânica de 1688). Kant faz parte desse espírito do tempo, que almeja encontrar uma forma de explicar a razão que pode ser apropriada por todos os seres humanos. Na tentativa em prol de identificar essa apropriação universal da razão, Kant se depara com a proposta da perspectiva transcendental formulada por Hume, e encontra que ela explica, de forma muito mais simples, a estrutura ontológica que dá sustentação ao nosso conhecimento, sem ter de atrelar a objetividade do mesmo a uma substância externa ou coisa em si. Ao sair do seu “sonho dogmático” (identificado com a metafísica de Leibniz), Kant exprime, de forma clara, a nova concepção universalista da razão e a põe em relação direta com a nova física formulada por Galileu e Newton, numa genial síntese entre as tendências libertárias presentes no século XVIII e o status atingido pelas ciências da Natureza, na teoria elaborada por Isaac Newton, que tinha se distanciado do ponto de vista dinâmico e que se atrelou definitivamente ao ponto de vista cinemático, ligado à apreensão dos fenômenos, sem preocupações metafísicas. Nessa empreitada, o pensador alemão terminou sistematizando a perspectiva transcendental, que tinha sido postulada por David Hume.

Obras:

Único argumento possível para uma demonstração da existência de Deus (1763).
Sonhos de um visionário, interpretados mediante os sonhos da metafísica (1766).
Dissertação sobre a forma e os princípios do mundo sensível e do mundo inteligível (1770).
Crítica da razão pura – Primeira edição (1781). Segunda edição (1787).
Prolegômenos a qualquer metafísica futura que possa vir a ser considerada como ciência (1783).
Fundamentos da metafísica dos costumes (1785).
Crítica da razão prática (1788).
Crítica da faculdade de julgar (1790).
A religião dentro dos limites da simples razão (1793).
A paz perpétua (1795).
O conflito das faculdades (1798).
Antropologia desde um ponto de vista pragmático (1798).

O pensamento de Immanuel Kant pode ser sintetizado nos seguintes 10 pontos:

1 – O sentido do Iluminismo.- “O que é a Ilustração? É a saída do homem da sua menoridade, da qual ele mesmo é responsável. Menoridade, ou seja, incapacidade de se servir do seu entendimento sem a orientação de outrem, menoridade da qual ele mesmo é responsável, pois a causa reside não na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem para se servir dele sem a tutela de outrem. Sapere aude! Tem coragem para te servir do teu próprio entendimento! Essa é a divisa das Luzes!” [Kant, Immanuel. “Respuesta a la pregunta: Qué es la Ilustración?” In: Kant, Erhard, Freiherr von Moser, e outros. Qué es Ilustración?  - Estudo preliminar de Agapito Mestre; versão espanhola de Agapito Mestre e José Romagosa – 3ª. Edição, Madrid: Tecnos, 1993, p. 17].

2 - Kant marcou definitivamente os rumos da filosofia ocidental, desatrelando-a da metafísica e colocando-a, de maneira firme, no contexto da denominada perspectiva crítica ou transcendental. Não temos acesso à essência substancial das coisas, embora não possamos prescindir delas na elaboração do nosso conhecimento. Da realidade somente conhecemos o fenômeno, aquilo que se revela à nossa experiência. Não temos o condão mágico de enxergar a essência substancial das coisas. Elaboramos os nossos conhecimentos a partir do que dos objetos nos revelam as experiências sensoriais. Podemos nos elevar até as generalizações teóricas, partindo da experiência, mediante a organização dos dados fenomênicos com a ajuda das idéias puras do entendimento. Não criamos, portanto, a realidade. Apenas a formatamos, de acordo com a estrutura ontognosiológica da nossa razão.

3 - O nosso entendimento é apenas faculdade ordenadora do real. Com este princípio exposto na Crítica da Razão Pura, o filósofo de Königsberg dividiu, com Platão, o mérito de ter formulado uma das duas perspectivas filosóficas que balizam a filosofia ocidental: a crítica ou transcendental, sendo que o pensador grego sistematizou, notadamente no seu diálogo Fédon, a perspectiva denominada realista ou transcendente.
4 - A partir da perspectiva transcendental, Kant deu embasamento epistemológico à nova física de Newton. Podemos dizer que Kant tirou a ciência moderna da enrascada em que tinha sido colocada pela tentativa de explicação substancialista. Se, segundo é pressuposto por esta, nós enxergamos a essência da realidade, não se explica como, no que tange às teorias cosmológicas, a Humanidade embarcou durante séculos a fio (desde os Gregos até 1543, quando Copérnico formulou a hipótese heliocêntrica) na canoa furada do Cosmo geocêntrico. No contexto da explicação kantiana, a mudança de paradigma cosmológico é de fácil explicação: passou-se, com Newton, de uma apreciação do fenômeno a uma outra, mais compatível com a experiência e os dados matemáticos. Nada de dogmatismo realista. Instalou-se, na filosofia da ciência, uma saudável relatividade quanto à necessidade de consultar os dados da experiência, sempre passível, aliás, de novas representações. À luz da perspectiva kantiana, Karl Popper, no século XX, definiu a certeza científica como afirmação probabilística, capaz de ser refutada. Afirmações passíveis de serem discutidas pela comunidade científica e verificadas por ela, essas são as assertivas científicas. Longe ficaria o neokantismo do dogmatismo positivista, que pretenderá uma certeza dogmática para a ciência, a partir de fatos apreensíveis de uma vez para sempre.

5 - A herança kantiana foi definitiva, também, em dois outros terrenos: o da ética e o da política. No que tange ao primeiro campo, Kant formulou, pela primeira vez, uma moral racional, mediante a tradução, em rigorosos conceitos filosóficos, dos postulados religiosos em que até então se alicerçava a moral. Na sua Fundamentação da metafísica dos costumes, o mestre de Königsberg traduziu o cerne da moral judaico-cristã, o mandamento da caridade, neste imperativo categórico: “Age de tal forma que trates a pessoa humana sempre como fim e nunca como meio”. Tornou-se possível, assim, uma moral racional, que incorporou o rico legado da tradição judaico-cristã, compatibilizando-o com a tradição helenística que valoriza a razão. Já no que tange à política, o pensador alemão formulou, no seu opúsculo intitulado A paz perpétua, o que seria o princípio básico da moral pública, ou princípio da “transparência”, que reza assim: “Age sempre de tal forma que os motivos de tua ação possam ser divulgados aos quatro ventos”. Esse princípio tornou-se o centro irradiador de luz para a ação política, tanto no plano nacional quanto no terreno internacional. A melhor forma de manter a credibilidade de um governo é, à luz do princípio kantiano, mantendo a transparência perante a comunidade. E, no terreno internacional, a garantia da paz entre  as nações consiste em não esconder cartas na manga, explicitando, perante a comunidade dos povos, os móveis da ação dos Estados. Utopia? Talvez. Mas a aproximação desse ideal é a que, certamente, tem garantido os clarões de paz na noite dos conflitos. Mais uma vez, o genial pensamento do filósofo de Königsberg tornou-se semente fecunda da civilização ocidental, neste conturbado início de milênio.

6 – No que tange, especificamente, à Teoria do Conhecimento, Kant sistematizou a forma em que podemos efetivar juízos de validez universal. Enveredou pelo caminho que já tinha sido assinalado por Aristóteles: os nossos conhecimentos completos expressam-se em juízos e estes se traduzem na linguagem. Ora, quais seriam, nesta, os tipos de juízos (ou afirmações) possíveis?  - Esses juízos seriam de dois tipos: analíticos e sintéticos. Nos primeiros, o predicado já se encontra no sujeito, constituindo apenas uma explicitação tautológica. Quando digo, por exemplo: “O homem é um animal racional”, no sujeito (homem) já está contido o predicado (animal racional). A definição aristotélica seria, portanto, uma tautologia. Portanto, com juízos analíticos não aumento os meus conhecimentos. Restam os juízos sintéticos, aqueles nos quais o predicado não está contido no sujeito. Estes são de dois tipos: juízos sintéticos a-posteriori (referidos à experiência sensível, sempre individual e não generalizável, como quando afirmo: “o sorvete de morango está gostoso”), e juízos sintéticos a-priori (referidos à experiência – que nos fornece os objetos da intuição sensível em geral -, organizada a partir de categorias ou conceitos puros do entendimento e universalmente válidos para todos os sujeitos cognoscentes, como quando Newton afirma, no terceiro axioma da sua obra Philosophiae naturalis principia mathematica: “Toda ação é acompanhada de uma reação do mesmo tamanho e de direção oposta”).

7 – A partir da análise dos nossos juízos sintéticos a-priori, Kant deduz as categorias correspondentes a eles, no procedimento por ele identificado, na Crítica da Razão Pura, como “dedução transcendental das categorias”, na verdade, uma “indução” delas. Essa dedução é efetivada levando em consideração o seguinte princípio, explicitado nestes termos pelo próprio Kant: “Originam-se tantos conceitos puros do entendimento, referidos a-priori a objetos da intuição em geral, quantas [forem] as funções lógicas em todos os juízos possíveis que há na tábua [a seguir]; pois o entendimento esgota-se totalmente nessas funções e a sua capacidade mede-se totalmente por elas” [Crítica da Razão Pura, tradução de Manoela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão, Lisboa: Calouste Gulbenkian, 4ª edição, 1997, p. 110].

8 – Tábua dos Juízos sintéticos a-priori possíveis. A respeito, afirma Kant: “Se abstrairmos de todo o conteúdo de um juízo em geral e atendermos apenas à simples forma do entendimento, encontramos que nele a função do pensamento pode reduzir-se a quatro rubricas, cada uma das quais contém três momentos. Podem comodamente apresentar-se na seguinte tábua: 1. Quantidade dos juízos: Universais,  Particulares, Singulares; 2. Qualidade: Afirmativos, Negativos, Infinitos; 3. Relação: Categóricos, Hipotéticos, Disjuntivos; 4. Modalidade: Problemáticos, Assertóricos, Apodícticos”. [Crítica da Razão Pura, edição Gulbenkian, 1997, p. 103-104].

9 – Tábua das Categorias. A partir da Tábua dos Juízos sintéticos a-priori possíveis, Kant deduz (infere) a seguinte Tábua das Categorias (ou Conceitos Puros do Entendimento): “1. Da Quantidade: Unidade, Pluralidade, Totalidade; 2. Da Qualidade: Realidade, Negação, Limitação; 3. Da Relação: Inferência e subsistência (substantia et accidens), Causalidade e dependência (causa e efeito), Comunidade (ação recíproca entre o agente e o paciente). 4. Da Modalidade: Possibilidade – Impossibilidade, Existência – Não-existência, Necessidade – Contingência”. [Crítica da Razão Pura, edição Gulbenkian, 1997, p. 110-111]

10 – Partes da Crítica da Razão Pura: Kant dividiu a sua obra em três partes, consistentes: 1. na Estética Transcendental (onde trata acerca do modo em que os dados da experiência sensível são organizados, no espaço e no tempo, pelas Formas a-priori da sensibilidade, com o auxílio do Esquema); 2. na Analítica Transcendental (onde trata acerca do modo em que o Entendimento elabora os conceitos, a partir dos dados fenomênicos, com a finalidade de construir os Juízos sintéticos a-priori); 3. na Dialética Transcendental (onde analisa o “sonho da Razão”, consistente na atividade de elaborar juízos dialéticos sobre objetos puramente imaginários, elaborados a partir de conceitos não alicerçados diretamente na experiência. Esses objetos ideais seriam três: a imortalidade da alma, a ordem cósmica e a existência de Deus. Aqui ancoram as construções da Metafísica, bem como as várias representações da Arte e da Religião, que exprimem desiderata do sujeito pensante, mas não diretamente fenômenos correspondentes à experiência).

 O que é conhecer?


Kant inicia a obra “Crítica da Razão Pura” realizando uma distinção entre conhecimento puro e conhecimento empírico, e coloca a experiência como fonte ou princípio de todo o conhecimento humano. Analisando então essa afirmação podemos pensar que Kant por colocar a experiência como princípio do conhecimento é um filósofo empirista. No entanto, aprofundando um pouco mais na “Crítica da Razão Pura” veremos que não se trata de empirismo, mas sim de um criticismo. “Segundo o tempo, portanto, nenhum conhecimento em nós precede a experiência, e todo o conhecimento começa com ela”. (KANT, 1980 p. 23).Porém não significa que todo conhecimento se origine justa e unicamente da experiência. Vemos desenvolver na obra um confronto. De um lado estão os conhecimentos puros e de outro os conhecimentos empíricos. “Tais conhecimentos denominam-se a priori e distinguem-se dos empíricos, que possuem suas fontes a posteriori, ou seja, na experiência”. (KANT, 1980 p.23). Para compreendermos o tema dos juízos é necessário que compreendamos a base da “Crítica da Razão Pura”. Quando Kant distingue dois tipos de conhecimento, que a princípio se denominam puro e empírico, ele está dizendo que no processo do conhecimento temos um conhecimento que é independente da experiência e que está ligado à abstração; esse conhecimento denominamos puro, destarte este possui suas fontes a priori. Em contrapartida, trata de um outro conhecimento que possui suas fontes a posteriori, ou seja, na experiência; este denominamos empírico.


Feita esta distinção, podemos chegar à conclusão de que os conhecimentos a priori são aqueles que independem totalmente da experiência e os a posteriori são aqueles que se dão por meio da experiência. No entanto, encontramos nos conhecimentos a priori uma problemática: as proposições só podem ser consideradas puras quando nelas não é constatado nada de base na experiência. Para esclarecer esta situação, vejamos o que Kant exemplificou: “Assim, por exemplo, a proposição: cada mudança tem sua causa, é uma proposição a posteriori, só que não pura, pois mudança é um conceito que só pode ser tirado da experiência”. (KANT, 1980 p. 24). Sobre a experiência ele esclarece: A experiência jamais dá aos seus juízos universalidade verdadeira ou rigorosa, mas somente suposta ecomparativa (por indução), de maneira que temos propriamente que dizer: tanto quanto percebemos até agora, não se encontra nenhuma exceção como possível, então não é derivado da experiência, mas vale absolutamente a priori. (KANT, 1980 p. 24).


Antes de tratar mais especificamente sobre o tema dos juízos, Kant já prenuncia que no conhecimento humano existem juízos que ele disse serem necessários e universais, logo são puros a priori. Um exemplo claro disso são as proposições matemáticas. Quando digo que (2+2=4) não preciso passar pelo dado da experiência para poder chegar a tal conclusão. Os conhecimentos a priori, puros, são indispensáveis, eles se fazem presentes em nossa faculdade de conhecer. “quando suprimirdes do vosso conceito empírico de um objeto corpóreo ou incorpóreo todas as propriedades ensinadas pela experiência, não podereis tirar-lhe aquela pela qual o pensais como substancia ou como aderente a uma substância” (KANT, 1980 p. 25).


Os juízos analíticos e sintéticos


Na “Crítica da Razão Pura”, Kant vai analisar o valor dos conhecimentos puramente racionais, através de sua revolução copernicana vai colocar em questão não mais o objeto do conhecimento, mas sim como se dá o processo humano de conhecimento. Nesta obra Kant propõe uma filosofia transcendental. Com a revolução de Kant não mais o objeto é o centro do conhecimento, mas sim o sujeito cognoscente. Destarte, para trilhar tal caminho parte da distinção entre: juízos analíticos e sintéticos. “Juízos analíticos (os afirmativos) são, portanto, aqueles em que a conexão do predicado com o sujeito for pensada por identidade; aqueles, porém, em que essa conexão for pensada sem identidade, devem denominar-se juízos sintéticos” (KANT, 1980 p. 27).


Kant é um pensador metódico, de forma que podemos afirmar: os juízos analíticos independem da experiência; se independem da experiência podemos afirmar que são então a priori; se são a priori não podem ser conhecidos, ou não geram conhecimento. Foi por isso que Kant também os denominou como “juízos de elucidação”, ou seja, esclarecem ou tornam claro tal conhecimento, mas não geram. Por esta razão é que neste juízo o predicado já está contido no sujeito.


Em contrário, os juízos sintéticos dependem da experiência; se dependem da experiência, logo são a posteriori. Ao contrário dos juízos analíticos, estes ampliam nosso conhecimento, produzem conhecimento, por isso é que Kant também os denominou como “juízos de ampliação”, porém estes não são universais, pois derivam da experiência. Depois desta primeira distinção nos deparamos com um problema: de um lado estão os juízos analíticos que não podem ser conhecidos; de outro lado estão os juízos sintéticos que podem ser conhecidos mas não são universais. Sobre qual juízo se fundamenta a ciência do conhecimento? Qual saída para essa difícil questão?


Sobre tais princípios sintéticos, isto é, princípios de ampliação, repousa todo o objeto ultimo do nosso conhecimento especulativo a priori; os princípios analíticos são, na verdade, altamente importantes e necessários, mas só para chegar àquela clareza dos conceitos exigida para uma síntese segura e vasta ao invés de uma aquisição realmente nova. (KANT, 1980, p. 28).A saída apresentada por Kant é notável. Segundo ele, o objeto do nosso conhecimento especulativo repousa sobre os princípios sintéticos. Porém, ressalta ele que estes princípios sintéticos devem ser a priori. “A ciência se baseia em um terceiro tipo de juízo, ou seja, no tipo de juízo que, a um só tempo, une a aprioridade, ou seja, auniversalidade e a necessidade, com a fecundidade, e portanto a ‘sinteticidade’” (REALE, 2005, p. 357). Destarte, vemos então a necessidade de se formular um juízo que fundamente a ciência e o conhecimento, porém que seja possível de ser conhecido e universalizado. Ora esse juízo será então o juízo sintético a priori. Sobre este é que deve se fundamentar o conhecimento humano.

Os juízos sintéticos a priori

Já no início da Crítica da razão pura encontra-se a afirmação de que "somos possuidores de certos conhecimentos a priori e mesmo o entendimento comum jamais está desprovido deles"(Kant, 1987, p. 3). Por "conhecimentos a priori entenderemos não os que ocorrem de modo independente desta ou daquela experiência, mas absolutamente independente de toda a experiência" (idem, p. 3. Grifo no original). Os conhecimentos a posteriori são os "que derivam da experiência ou que dela dependem" (Lalande, 1993, p. 82), portanto, inexistentes sem a experiência.
Hume mostrou que a experiência nos dá acesso apenas a conhecimentos particulares e contingentes. Ela "nos ensina que algo é constituído deste ou daquele modo, mas não que não possa serdiferente(Kant, 1987; p. 3. Grifo no original). Entretanto, é notória a existência de conhecimentos absolutamente universais e necessários14; quando encontramos tais características (universalidade e necessidade), temos a certeza de dispormos de um conhecimento a priori.
Um juízo expressa uma relação entre conceitos, isto é, atribui um predicado a um sujeito; por exemplo, "a maçã é vermelha". Os juízos podem ser analíticos ou sintéticos.

Ou o predicado B pertence ao sujeito A como algo contido (ocultamente) nesse conceito, ou B jaz completamente fora do conceito A, embora esteja em conexão com o mesmo. No primeiro caso denominamos o juízo analítico, no outro sintético(idem, p. 11. Grifo no original)

Os juízos analíticos ou elucidativos são verdadeiros em virtude do significado dos seus termos. "Se por exemplo digo: todos os corpos são extensos, então este é um juízo analítico" (idem, p. 11), pois não preciso sair do conceito de corpo para encontrar a extensão."Quando digo: todos os corpos são pesados, então o predicado é algo bem diverso daquilo que penso no mero conceito de um corpo em geral" (idem, p. 11) e o juízo é sintético ou ampliativo, pois neste caso preciso sair do conceito de corpo para encontrar o peso.

Os juízos analíticos ou elucidativos independem da experiência, são a priori. Apesar dos juízos analíticos serem importantes, eles não se constituem em um verdadeiro avanço do conhecimento, pois não dizem nada além daquilo que já estava no conceito. O conhecimento efetivamente avança através dos juízossintéticos ou ampliativos.

Ora, sobre tais princípios sintéticos, isto é, juízos de ampliação, repousa todo o objetivo último de nosso conhecimento especulativo a priori; os princípios analíticos são, na verdade, altamente importantes e necessários, mas só para chegar à clareza dos conceitos exigidos para uma síntese segura e vasta. (idem, p. 13 / 14)

Anteriormente a Kant admitiam-se dois tipos de juízos ou proposições: os analíticos a priori e os sintéticos a posteriori. A sua grande "revolução copernicana" passou por admitir uma terceira classe: os juízos sintéticos a priori. Estes são necessários e universais como os juízos analíticos, mas efetivamente ampliam o conhecimento.
Para Kant os juízos matemáticos eram todos sintéticos a priori.

Antes de tudo precisa-se observar que proposições matemáticas em sentido próprio são sempre juízos a priori e não empíricos porque trazem consigo necessidade (vide nota de pé de página número 14) que não pode ser tirada da experiência. (idem, p. 15)

Exemplificou com a Geometria:

Que a linha reta seja a mais curta entre dois pontos, é uma proposição sintética, pois o meu conceito de reto não contém nada de quantidade, mas só qualidade. O conceito do mais curto é, portanto, acrescentado inteiramente e não pode ser extraído do conceito de linha reta por nenhum desmembramento. (idem, p. 16)

A Física também continha juízos sintéticos a priori:

A Ciência da Natureza (physica) contém em si juízos sintéticos a priori como princípios. A título de exemplo quero citar algumas proposições tais como as seguintes: em todas as mudanças do mundo corpóreo a quantidade de matéria permanece imutável, ou, em toda a comunicação de movimento ação e reação têm que ser sempre iguais entre si. (idem, p. 18. Grifo no original)

Desta forma, Kant afirmou que os princípios físicos não podiam ser obtidos da experiência. Notoriamente se opôs à epistemologia empirista, professada inclusive por Newton, que acreditava poder gerar princípios indutivamente a partir do observado.
As grandes perguntas a serem respondidas pela filosofia transcendental eram então:

Como é possível a matemática pura?

Como é possível a ciência pura da natureza?

Ora, visto que as ciências estão realmente dadas, parece pertinente perguntar como são possíveis, pois que têm que ser possíveis é provado pela sua realidade. (idem, p. 21. Grifo no original)


Kant concordou com Hume a respeito da impossibilidade de derivar da experiência juízos necessários e universais; entretanto, negou o ceticismo no qual o filósofo escocês caiu. Kant não tinha dúvidas sobre a possibilidade e a efetiva existência de conhecimentos verdadeiros. A Geometria Euclidiana e a Mecânica Newtoniana provavam isto; cabia agora demonstrar como tinham sido possíveis.


Considerações finais


Diante do dilema criado pelos juízos analíticos e sintéticos, Kant apresenta um importante caminho para fundamentar o conhecimento humano: os juízos sintéticos a priori. Aos poucos durante o desenrolar da “Crítica da Razão Pura” Kant vai então realizando uma grande mudança no campo da teoria do conhecimento. A distinção dos juízos analíticos e sintéticos e o apontamento dos juízos sintéticos a priori como fundamento do conhecimento apresentados no início da obra abrem caminho para a grande revolução copernicana de Kant e para uma análise dos conhecimentos, ou melhor, do modo como o homem conhece.


Referências

KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Trad. Valério Rohden e Baldur Moosburger. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Os Pensadores).

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: de Spinoza a Kant, v. 4. Trad. Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2005.