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JOHN LOCKE

"todos os homens, que, sendo todos iguais e livres, nenhum deve prejudicar o outro, quanto à vida, à saúde, à liberdade, ao próprio bem". E, para que ninguém empreenda ferir os direitos alheios, a natureza autorizou cada um a proteger e conservar o inocente, reprimindo os que fazem o mal, direito natural de punir"

FRIEDRICH HAYEK

“A liberdade individual é inconciliável com a supremacia de um objetivo único ao qual a sociedade inteira tenha de ser subordinada de uma forma completa e permanente”

DEBATES FILOSÓFICOS

"A filosofia nasce do debate, se não existe a liberdade para o pensar, logo impera a ignorância"

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"Viver sem filosofar é o que se chama ter os olhos fechados sem nunca os haver tentado abrir". Descartes

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"Liberdade, Igualdade , Fraternidade. Sem isso não há filosofia. Sem isso não há existência digna.

"Nós temos um sistema que cobra cada vez mais impostos de quem trabalha e subsidia cada vez mais quem não trabalha"

LUDWING V. MISES

"O socialismo é a Grande Mentira do século XX. Embora prometesse a prosperidade, a igualdade e a segurança, só proporcionou pobreza, penúria e tirania. A igualdade foi alcançada apenas no sentido de que todos eram iguais em sua penúria"

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

KANT E HABERMAS : Um a breve introdução sobre a moral kantiana e a ética discursiva


De acordo com Kant as leis morais fornecidas pela razão são leis sintéticas a priori. As leis sintéticas a priori são de caráter universal e necessário para todos os seres racionais, pois são leis objetivas. Com isso, não se deve considerar que as proposições da lei moral incluam uma condição material, ou seja, empírica. Pois, a lei moral que legisla a priori propõe uma ação livre de juízos empíricos[1].
A razão prática faz sempre referência ao grupo de reflexões ligadas ao campo da ação, e se distingue da razão teórica. Foi pela primeira vez, apresentada por Aristóteles que a relacionava às noções de ética, política e direito. No pensamento da antiguidade, a ideia de ação aparece intimamente relacionada com os aspectos éticos políticos e jurídicos da vida na polis. Embora os gregos já separem a razão prática da razão teórica, tal separação é na antiguidade ainda muito sutil, pois muitas vezes as concepções que embasavam determinados ethos (o ethos de uma determinada polis) eram construídas com base nas orientações da razão teórica que fornecia uma determinada concepção de natureza (phisis).
Mas, dentro da mentalidade dos modernos e principalmente de Kant,  a antiga noção de ethos será substituída pela noção de razão e a noção de teleologia será substituída pela noção de imparcialidade. Ao aderir a essas novas noções, o pensamento ético moderno que chega ao seu ápice com a filosofia de Kant a qual procura construir um sistema ético que esteja totalmente fundamentado na noção de sujeito. Tal noção, a partir da instauração da concepção moderna de razão prática, irá absorver tudo aquilo que, nos antigos, se referia à ética, à política e ao direito.
Com essa reconfiguração, as instâncias ligadas à ação irão adquirir à seguinte forma: a noção de ética será subsumida à noção de moral; essa última noção, reduzindo o papel daquela valorização antiga do conjunto de tradições e costumes (éthos) irá fazer referência à necessidade de se instaurar valores universais que irão se positivar em leis que cada sujeito deve impor a si mesmo e usar para dar sentido a cada uma de suas ações pessoais daí a substituição do uso do termo nomos pelo termo auto-nomos que, na filosofia kantiana, gerará a ideia de autonomia. Tal autonomia se apresenta através da vontade submetida às leis da razão a priori. Essa definição corresponde em Kant, que as regras práticas são leis da razão em que podemos delas derivar ações somente pela razão. Cito Kant:

Só um ser racional tem a capacidade de agir segundo a representação das leis, isto é segundo princípios, ou: só ele tem uma vontade. Como para derivar as ações das leis é necessária a razão, a vontade então não é outra coisa senão a razão prática (FMC. II § 12, p.123). 


Desta forma, a razão prática propostas por Kant deve, no entanto ser devidamente situada partir da Critica da Razão Pura (CRP). A questão se dá  através  uma razão pura  que pode ser prática, ou seja, a razão pura determina as ações dos seres racionais finitos, apenas no respeito pela lei moral, ou seja, que a ação moral seja ela mesma o seu próprio motivo e não quaisquer juízos empíricos. Em outras palavras, se por um lado a razão pura pode conhecer os objetos de forma a priori, por outro lado à razão pura pode ser um princípio determinante de ações morais.
Embora sejam problemas diferentes são funções da mesma razão. Na CRP Kant demostra como é possível à razão pura, mostrar quais são as condições de conhecimento. Na filosofia da critica da razão prática, Kant procura demostrar como a razão pura pode ser prática. A razão deve, portanto determinar por si mesma as ações de acordo com o móbil genuinamente moral, e somente nesse caso se pode falar em valor moral genuinamente. Em outras palavras, se as condições de possibilidade do conhecimento são a priori, os princípios da razão prática também deverão ser independente de todos os juízos a posteriori. Visto que juízo a posteriori não pode dar a universalidade e a necessidade que são exigências da lei moral. Com isso, quando se analisa uma ação moral na filosofia prática kantiana o que está sendo analisado é o princípio determinante do querer da ação.
Para uma ação ser moral, o sujeito deve realizá-la por si só por meio da razão[2].  Com isso, entende-se, que uma ação moral através da razão prática é uma decisão individual de um ser que é racional, que age por dever. Assim, verifica-se que ação moral em Kant pelo viés da razão prática se constitui uma ação subjetiva ao passo que ação moral na moralidade habermasiana através da intersubjetividade, como veremos.
Na leitura de Habermas[3] o mesmo busca fazer uso de alguns ferramentais teóricos do sociólogo Marx Weber (1864 – 1920) e do filósofo Immanuel Kant (1704 -1804).  A relação de Habermas a Kant, não está no sentido de um puro kantismo transcendental[4], mas como um suposto neokantiano, o que permite constituir o empírico como base fundamental para sua Teoria da Ação Comunicativa (TAC). Segundo Habermas, a partir de Weber a sociedade tradicional[5] era constituída de: cultura, sociedade e personalidade, o qual Weber denomina de “Quadro institucional” e Habermas de “Mundo da vida”.
Na leitura de Weber não é o trabalho, mas sim o de racionalização[6] que deve ser à base da leitura da sociedade, com isso, Weber se aproxima de Kant. Na leitura de Weber essa racionalização que adentra ao quadro institucional leva a um processo de intensa secularização e emancipação.  A primeira esfera que se automatiza para Weber é a ciência. Em seguida a automatização da ética, moral, arte, direito, política, estado, economia, etc. Essa automatização Habermas chama de automatização das esferas de valores. Na visão Weber existe um divorcio de fé e razão, em que se perde a dimensão da metafísica. Com isso, se perde a unidade das esferas, fazendo a religião cair para a esfera da subjetividade e a razão para as esferas sócias.
Para Habermas a razão ao migrar para as esferas sociais, a razão já não tem mais pretensão de universalidade, pois já não há mais sentido falar em razão a priori e consequentemente em razão prática.  Desta forma, para Habermas o papel que a filosofia ocupa na leitura da TAC é que a filosofia deve ocupar-se da mediação do papel empírico entre as esferas sociais, pois já não se pode mais esperar da filosofia a pretensão de totalidade, porque a razão estaria fragmentada.
A TAC é construída com pretensão de funcionalidade. Embora Habermas inicie sua leitura da sociedade pela teoria weberiana, o mesmo não prossegue com Weber, mas, busca uma separação de Weber. Mas, ao mesmo tempo Habermas tenta preservar em parte Kant da leitura de Weber, visto que na leitura pessimista de Weber a razão produziu um “Paradoxo[7]”. Segundo Habermas Weber ajudou a entender a sociedade moderna, mas, não é o mais adequado para explicar toda a construção da sociedade, visto apresentar à razão como paradoxo. Habermas procura ir além,  por isso abandona Weber, mas tenta não abandonar totalmente Kant visto que a filosofia racionalista de Kant, a razão ter um papel no processo de emancipação. Com isso, há na ética discursiva fragmentos da filosofia prática Kantiana. Mas, com uma mudança paradigmática, pois Kant é intelectualidade e Habermas é a linguagem. 
Habermas apresenta uma leitura da sociedade de forma dual: “Sistema” e “Mundo da vida”. No sistema constaria a: razão instrumental, o paradigma da consciência, e a relação de sujeito e objeto. No mundo da vida consta: razão comunicativa; paradigma da linguagem; e a relação sujeito e sujeito. Para Habermas o grande engodo da modernidade, foi o endeusamento da razão instrumental e de sua funcionalidade que levou a “ciência e técnica”.
Habermas enfatiza que razão tinha como projeto a emancipação, mas isso não foi alcançados, logo a razão se tornou um mito, não digna de credito. Com isso, Habermas propõe apresentar uma solução, em que procura reabilitar a razão prática. Tal reabilitação se da sob a perspectiva de duas dimensões. A dimensão da linguagem e a dimensão empírica. Tal reabilitação faz com que o seu pensamento sobre a moralidade seja caracterizado como pós-convencional e pós-metafísico: pós-convencional uma vez que não se pauta mais nas tradições e valores de uma organização social específica; pós-metafísico, visto que abandona a necessidade de se referir a uma concepção específica a respeito da natureza.
Com essa reabilitação da razão prática, pelo viés da pragmática linguística Habermas propõe no mundo da vida uma emancipação. A pragmática linguística não se trata de uma linguagem apenas como nomeação de sujeito e objeto, mas uma linguagem que está condicionada ao uso da semântica pragmática, com isso a linguagem está atrelada ao contexto. Portanto, a linguagem estando vinculado ao uso de transformação de valores, nos faz perguntar: Uma vez que a reabilitação da razão prática através da pragmática linguística rompe com a metafísica, pois ela é móvel e não tem base sólida [transcendental], pois está atrelada aos jogos de linguagem e as formas de vida, (Wittgenstein) como Habermas fundamenta a ética discursiva através da pragmática linguística? 
A grosso modo, Habermas fará uso de um termo chamado transcendental fraco[8]. Com isso, se distância do transcendental puro kantiano. Esse distanciamento do transcendental puro se dá, pois para o formulador da TAC toda ação produzida pelo sujeito tem como base o empírico. O sujeito habermasiano dentro do mundo da vida, o seu eu moral é construído na confrontação do dia - dia das experiências empíricas, ao passo que em Kant o eu moral se constitui de ações em respeito à lei moral a qual se encontra no mundo inteligível, mesmo o sujeito estando inserido no mundo sensível/fenomênico. No entanto, o sujeito kantiano reconhece que além de pertencer ao mundo sensível/fenomênico também percebe que pertence ao mundo inteligível. O que permite perceber, que é livre justamente quando age em respeito à lei moral. Cito Kant:

Pois agora vemos que, quando nos pensamos livres, nos transpomos para o mundo inteligível como seus membros e reconhecemos a autonomia da vontade juntamente com a sua consciência – a moralidade; mas quando pensamos como obrigados - consideramo-nos como pertencente ao mundo sensível e, contudo ao mesmo tempo também ao mundo inteligível. (FMC. III § 15, p.154).


Mas, para Habermas o espaço é tempo experiencial. Por isso, não há condições de ter uma leitura espacial e temporal na dimensão transcendental. Desta forma, como se pode falar acerca do futuro, acerca de uma pragmática que está nos levando para uma finalidade? Segundo Habermas não teria como saber, pois a sociedade está em todo o tempo se construindo, se transformando através do plano empírico e não transcendental. Por isso, que o mundo da vida está estabelecido em duas bases: o transcendental fraco e o empírico.
Segundo Habermas a emancipação não acontece pela via teórica, mas sim pela ação, e não seria possível ter uma teoria critica que não venha se valer da teoria empírica, pois é necessário utilizar a teoria empírica para ler a realidade e apontar uma via emancipatória. Com isso, o formulador da TAC estabelece o acoplamento entre transcendental e empírico. O que é totalmente oposto a Kant em que há uma total separação do transcendente e do empírico. Kant afirma que “todos os conceitos morais têm sua sede e origem completamente a priori na razão [...] que não podem ser abstraídos de nenhum conhecimento empírico e, por conseguinte puramente contingente [...]” (FMC. II, §10, p. 122). Cito Tadeu Weber:

Na terminologia Kantiana agimos em vista de imperativos, isto é, mandamentos que fundam na razão. Estes são expressão de um dever. Isso não significa que fatores emocionais e empíricos não possam interferir na determinação da vontade. Nós não agimos naturalmente, de acordo com os princípios da razão. Se uma vontade seguisse sempre e tão somente os ditames da razão, seria santa, pois suas ações seriam necessárias. Entre os homens não é assim. A vontade está sujeita a impulsos e inclinações. No entanto, para que uma ação possa ser qualificada do ponto de vista moral, deve ter sua origem na razão. (WEBER, 1999, p. 31). (Grifo nosso).


Mais, de acordo com Habermas a linguagem é o elemento principal de coesão e não a razão prática. As transformações radicais ocorridas no mundo da vida (cultura, sociedade, e personalidade) estão intimamente ligadas à esfera da linguagem. É importante lembrar que o pensamento de Habermas foi bastante influenciado pelas reflexões que a filosofia analítica fez a respeito da linguagem e do pragmatismo, a qual é totalmente anti-metafísica.
Com isso, para Habermas, a partir da modernidade a linguagem deve servir como a última esperança se quiser encontrar um esteio na moral. Esse pensamento está relacionado com o fato de ser possível pensar uma gramática universal que esteja na base da linguagem utilizada no mundo da vida.

Portanto, na ética do discurso o conceito de verdade se modifica em função dessa nova perspectiva da intersubjetividade. Habermas na TAC propõe o entendimento da verdade não mais como uma adequação do pensamento a realidade como apresentado por Kant na revolução copernicana e do idealismo transcendental, mas, como resultado da razão comunicativa; não como verdade objetiva, mas como verdade intersubjetiva (entre sujeitos diversos), que surge do diálogo entre os indivíduos.
Nesse diálogo aplicam-se algumas regras, como a não contradição, a clareza de argumentação e a falta de constrangimento de ordem social. Em contra partida a verdade de uma ação moral através de Kant em sua critica da razão prática, não se dá através da verdade intersubjetiva (entre sujeitos diversos), que surge do diálogo entre os indivíduos, mas sim através de uma ação por dever a uma lei moral sintética a priori (transcendental) a qual determina à vontade de forma subjetiva através da razão a priori.
Cabendo assim, mais um ponto a ser analisado dentro da analise da reabilitação da razão prática pelo viés da razão comunicativa. Uma vez, que na razão comunicativa o conceito de verdade deixa de se constituir como objetivo e passam a ser definido como subjetivo.  




[1] Kant em seu sistema filosófico não tem a pretensão de realizar a supressão da sensibilidade/empírico. Visto que uma das propriedades da SRS é a sensibilidade, a qual tem participação no processo de conhecimento. Cito Kant: “A capacidade [...] de obter representação mediante o modo como somos afetados por objetos denomina-se sensibilidade. Portanto pela sensibilidade nos são dados objetos e apenas ela nos fornece intuições” (CRP. 180 p. B/33).  Já no âmbito da filosofia prática verifica que as inclinações provem das sensações sendo a inclinação como Kant define “a dependência que a faculdade de desejar está em face das sensações” (FMC. II §, p. 124). Em relação as inclinação Paton (1970, p. 49) enfatiza que: “Kant reconhece que as inclinações têm um papel a jogar na vida moral” [...] “Algumas inclinações, tal como a simpatia natural, ajudam-nos muito a realizar nossos deveres de ações benevolentes, e elas devem ser cultivadas por essa razão”. O que a moral de Kant exige através da razão prática é que o fundamento de determinação das ações não sejam as inclinações/empírico. Isso é uma coisa. Outra é pretender a supressão da sensibilidade/empírico, o que seria contraditório com a natureza finita do homem e de modo algum é exigido pela moral de Kant.


[2]É importante insistir em que o propósito de Kant é buscar o princípio supremo da moralidade. Por isso a pergunta: “É ou não é uma lei necessária para todos os seres racionais a de julgar sempre as suas ações por máximas tais que eles possam querer que devam servir de leis universais?” (GMS, BA 62) Essa lei só pode ser buscada numa metafísica dos costumes. Seu intuito não é investigar as razões do que agrada ou desagrada; a origem do sentimento do prazer ou desprazer. Isto é objeto de uma “psicologia empírica”, que faz parte da ciência e não de uma Filosofia prática. Numa filosofia prática, reitera o filósofo “não temos que determinar os princípios do que acontece, mas sim as leis do que deve acontecer, mesmo que nunca aconteça, quer dizer leis objetivo-práticas” (GMS, BA 62). Na verdade, Kant está se referindo “a” lei objetivo-prática, a uma única lei, na medida em que a vontade é determinada somente pela razão, considerando que todo do empírico não é tomado em conta. Sendo assim, a razão terá que determinar os procedimentos de forma necessariamente a priori. O princípio da ação deve, portanto, estar livre de todas as influências fornecida pelas experiências. Esta apenas nos diz o que é, e não pode dizer-nos o que deve ser. (WEBER, 1999, p.39).
[3]Dentre os teóricos da Escola de Frankfurt, encontra-se Jürgen Habermas. Em sua tese, ele discorda de Adorno e Horkheimer no que se refere aos conceitos centrais da analise realizada por esses dois filósofos na questão da razão e da verdade.  Habermas discorda dos resultados pessimistas da analise de Adorno e Horkheimer segundo a qual a razão não mais se realizaria no mundo, porque o capitalismo, em sua complexidade, teria conseguido narcotizar a razão e consequentemente a consciência, e dessa forma perpetuar-se como um sistema.
[4]Kant em sua filosofia critica desenvolve o conceito do idealismo transcendental. Através do idealismo transcendental Kant apresenta a distinção entre dois mundos, a saber: “O mundo sensível [fenômeno-phaenomenon] e o mundo inteligível[4] [númenon-númeno]” (DI. 2005 p. 239/240). Kant define que o fenômeno se refere a “objeto da percepção” (CPR. 1980 p. 124. A/225). Desta forma, “os objetos indeterminados de uma intuição empírica denomina-se de fenômenos[4]” (CPR. 1980 p. 124. A/225). Mas, por de trás desse objeto da percepção [fenômeno], existe a “coisa em si”.
[5] Para Weber as sociedades tradicionais da idade medieval tinha a religião como argamassa que interligava a cultura a sociedade e a personalidade. Por isso a na leitura de Weber a religião é à base da leitura da legitimação das culturas medievais. Nesta perspectiva a cultura é constituída pelas instituições que por sua vez é a base na formação da personalidade do individuo. A leitura de Max Weber se diferencia de Karl Marx, pois Weber coloca que não é conceito de trabalho, mas sim o de racionalização que deve ser à base da leitura da modernidade. As sociedades tradicionais medievais eram constituídas de: Cultura, sociedade e personalidade dos quais originavam o quadro institucional. Na leitura de Weber a racionalização adentra as esferas de valores que leva ao processo intensivo de secularização. A partir desta secularização Weber visualiza a sociedade em dois pontos de vistas: interno e externo.
[6] O termo racionalização em Weber está referido a ações sociais racionalmente orientadas. Em linhas gerais, entende-se que o termo racionalização, como utilizado por Weber, significa a redução à racionalidade de todos os aspectos da vida social. Na forma de ver de Weber, a racionalização compreende desde o plantio em carreiras até a forma sonata nas sinfonias, desde a contabilidade gerencial à liturgia dos cultos religiosos. Engloba a tecnificação do trabalho, a burocratização das relações, a padronização da sociedade, como efeito inevitável da evolução da cultura ocidental. (COSTA, 2005. p, 108). 
[7] Paradoxo em Weber, é a expressão que caracteriza uma situação geral que se abate sobre o homem que, se age segundo tal ordenação, pode ser chamado de homem moderno. Em oposição ao homem não moderno, o moderno é aquele que olha para tudo que há ao seu redor, e também para si mesmo, como sendo regido ou por causa e efeito ou por razões. Tudo é naturalizado. Aquilo que não pode ser explicado ou compreendido na base de relações causais ou relações racionais não é misterioso. Uma vez que não pode ser explicado, isso se deve a duas circunstâncias: ou porque quem quer explicar não foi educado para explicar ou porque a ciência ainda não encontrou razões ou causas para tal. Então, ou por educação individual ou pelo progresso da ciência, o que deve ser explicado será, a qualquer momento, explicado. Deuses, gênios, demônios, forças extra-naturais e assim por diante caem fora do horizonte do homem, e então ele é, de fato, um homem moderno. (COSTA, 2005. p, 114). 
 [8] O conceito transcendental fraco parece ser um conceito muito melindroso do pensamento de Habermas, cabendo ser investigado, para saber se tal conceito se sustenta. 

LIBERDADE E RESPONSABILIDADE EM SARTRE



 A partir da assertiva a existência precede a essência; surge a gratuidade da vida, a leveza, que confere aos viventes a liberdade da escolha e do fazer, e isso acontece sem sentirem-se pressionados por algum poder ou força estranha. Portanto, quem elege os limites e as adversidades seria o próprio sujeito o qual é o autor do seu futuro e de sua história? O binômio liberdade e responsabilidade estruturado por meio da assertiva a existência precede a essência pode inferir uma proposta ética onde a divindade, essência, destino ou determinismo, não determina ação do sujeito?
Diante da presente proposta da pesquisa quero a partir da filosofia de Sartre, analisar e compreender as condições para a existência de um sujeito absolutamente livre. Neste enfoque começarei as minhas investigações de um ponto central da filosofia sartreana que é a questão da proposição de que a existência que precede a essência. Tal afirmação em linhas gerais é contrária à tradição filosófica até então. Com isso, diante de tal proposição o que afinal Sartre estava querendo propor  quando fez tal afirmação ?
Verifica dizer que a proposição da existência procede à essência resume toda a filosofia existencialista de Sartre, pois para Sartre o sujeito surge no mundo completamente indefinido. O proposito de Sartre ao usar a proposição que existência procede à essência é estabelecer que a liberdade do sujeito não encontra limites, a não ser os que limites colocados por ele mesmo. Com isso, o sujeito sartreano cuja existência se dá neste mundo, está condenado a ser livre, e uma vez livre é totalmente responsável por suas escolhas que fizer. Com isso, o sujeito é que escolhe ser, não há uma essência a determinar como este sujeito será. Existindo terá que existir sem desculpas, sem subterfugio, sem apoio.
No ensaio O Existencialismo é um Humanismo, Sartre oferece uma resposta como esclarecimento sobre o existencialismo, cuja compreensão estava sendo vulgarizada e interpretada de acordo com a ideologia do público leitor.  O pensamento marxista criticou o existencialismo, acusando-o de obscurecer o lado luminoso da vida e destacar a sordidez humana. Uma vez admitida à repugnância humana, o ser humano estaria descompromissado da solidariedade e a ação social estagnada. Já os cristãos acusam o existencialismo de deixar o homem em um estado de gratuidade, onde tudo é permitido, pois se não existe Deus não há como condenarmos uns aos outros e tudo é permitido.
Sartre procura responder a essas críticas explicando, primeiramente, que usa o termo humanismo no sentido de que toda a ação passa pela subjetividade, é uma ação humana seja, repugna-te ou não. Ao nos depararmos com algo injusto, segundo a concepção existencialista, pensa-se isto é humano. Mas, isto não significa uma concepção pessimista, ao contrário, é uma visão otimista: se é humano, posso ou não praticar este ato, não há nada além de mim mesmo que me compele a isto. Em forma de respostas Sartre cita as duas escolas existencialistas, a cristã e a ateia, ambas tem pressuposto teóricos da existência. Para explicar tal significado, Sartre inicialmente apresenta a ideia oposta, comparando o ser humano com um objeto fabricado. Para qualquer objeto temos um modelo, que definirá como será o produto. Neste caso a essência precede a existência.
Mas, quando anuncia que a existência precede a essência a de compreender que Sartre é um filósofo pós-metafisico, e talvez surja daí essa formulação, pois se até certo tempo era normal o homem pensar que havia um destino traçado, que haviam valores validados por um ser metafísico, que tudo via e que tudo sabia. Agora nesta nova tradição, esse tranqüilo mundo de leis e valores eternos é considerado ultrapassado. Deste modo, o homem, “ao perceber assim como Nietzsche que Deus está morto[1], percebe também que os grandes ideais e que as pretensões por um absoluto também vieram por terra. Nesse sentido, não deixa de enfaixar o homem no próprio homem e de colocá-lo diante da responsabilidade inteiramente autônoma” (SAYÃO, 2006, p. 78).
Os filósofos do século XVII, que concebem uma divindade criadora (Deus) veem o homem como produto da obra divina, assim como qualquer produto fabricado. Assim, a essência de todos os homens é única, pois foi concebida por uma única divindade criadora. O existencialismo ateu, ao não admitir a existência da divindade, permite que a existência humana precede a essência como afirma Sartre:

A liberdade humana precede a essência do homem e torna-a possível: a essência do ser humano acha-se em suspenso na liberdade. Logo, aquilo que chamamos liberdade não pode se diferençar do ser da “realidade humana”. O homem não é primeiro para ser livre depois: não há diferença entre o ser do homem e seu “ser livre”. (SN, 1997, p. 68).

 Com isso, o homem existe no mundo, surge no mundo, para depois se definir. Desta forma, afirmar que a existência precede a essência é salvaguardar a liberdade humana[2]. Só depois que existiu o homem pode dizer o que é a humanidade, podendo julgar-se alguma coisa apenas a partir daquilo que já está feito. Em suma: o homem é aquilo que faz. Assim, o homem antes  de qualquer coisa, é um projeto que se vive subjetivamente. Ao conceber o homem como projeto, tornamo-nos responsáveis por aquilo que somos. Não somos aquilo que queremos ser, mas somos o projeto que estamos vivendo e este projeto é uma escolha, cuja responsabilidade é apenas do próprio sujeito.
No entanto, ao dizer que o sujeito é responsável por si mesmo, o existencialismo transcende a ideia do subjetivismo individualista que os críticos querem imputar-lhe. O sujeito no ato de fazer uma escolha, não escolhe somente a si mesmo, mas escolhe toda humanidade. Ou seja: ao escolher o homem que deseja ser, o homem está julgando como todos os homens devem ser. Em outras palavras o homem está condenado à subjetividade humana. Somos responsáveis por toda humanidade.
Dito isto, Sartre apresenta a ideia existencialista de angústia. O homem, ao perceber que sua escolha envolve não apenas a si mesmo, mas toda humanidade e que a responsabilidade dessa escolha é inteiramente sua, se sentirá angustiado. Só o homem de má fé consegue disfarçar a angústia, dissimulando a sua responsabilidade por si e por toda humanidade. Os próprios atos de dissimular e mentir implicam em uma escolha. Ao atribuir a responsabilidade a outrem, estamos escolhendo a mentira não só para a própria existência, como para a de todos os homens. O homem que nega a angústia tem na angústia a sua própria forma de existir.
A maldade humana e a fraternidade são opostos que nos ligam à responsabilidade de nossas escolhas: angústia como a consciência do que somos. Ainda sobre a angústia, Sartre destaca que o homem, quando responsável e perante qualquer decisão, sente-se angustiado. Mas tal angústia não o impede de agir, pelo contrário, implica na ação. O homem, responsável pela humanidade, sentirá angústia ao escolher, pois esta escolha implica no abandono de todas as outras possibilidades.
Porém, a ideia de que a existência precede a essência permite outros desdobramentos. O homem não pode responsabilizar a sua existência à natureza alguma. Não há nada que legitime seu comportamento, não há nada que o determine. O homem faz-se a si próprio, é livre, tem total liberdade para escolher o que se torna. Assim, não há nada que justifique seus atos. O homem está desamparado, condenado à sua própria escolha, condenado a ser livre[3].
Sendo o homem livre para suas escolhas, qual o lugar da moral na doutrina existencialista? Sartre, exemplificando, diz que há dois tipos de moral. A moral cristã prega que devemos seguir o caminho mais duro. Mas Sartre questiona-se: “qual o caminho mais duro?”. Já a moral kantina afirma que devemos tratar as pessoas como fim, e não como meio. Porém, ao escolher algo como fim, as outras opções serão tratadas como meio. Então, seria o sentimento que determina nossa escolha pela moral a ser seguida? Sartre refuta essa idéia.
Só podemos dizer que fizemos algo por amor, depois que já tivermos realizado. Justificar uma ação pelo sentimento terá seu valor apenas depois que o ato se concretizar, o sentimento se constituiu pelos atos praticados. Portanto, não podemos consultar nossos sentimentos como guia de nossas ações e não há também nenhuma moral que me guie, o homem é livre para escolher e tem a constante possibilidade de se inventar.
Neste ponto, Sartre retoma as críticas iniciais e as rebate a partir da argumentação descrita acima. Para o existencialismo, significa que não só atingimos a nós próprios, atingimos a nós através do outro. O outro é a condição para nossa existência, não somos nada sem o reconhecimento do outro. Para o homem conhecer-se é necessário, primeiramente, que o outro o reconheça. Este é o mundo intersubjetivo, de âmbito da consciência, e é através dele que julgamos a nós mesmos e os outros.
Sobre o tema da moral Sartre rebate as críticas que acusam o existencialismo de pregar uma escolha gratuita. Enfatiza que uma escolha implica um compromisso com toda a humanidade, já que toda escolha é um compromisso. E, ao escolher um projeto, estamos necessariamente optando por uma moral. Não há como fugir da escolha e, portanto, não há como fugir da moral. A moral só poderá ser julgada no momento em que ela estiver se realizando através das ações e de deliberação subjetivas.
Com isso, inicia uma compreensão da teoria sartreana denominada Existencialismo é um humanismo. Humanista por ser o homem o único responsável por suas ações. E existencialista porque, na medida em que o homem projeta-se para fora de si mesmo, ele se faz no mundo. Para o sujeito é sempre possível transcender e superar a si mesmo, na medida em que o sujeito é aquilo que faz de si mesmo, tendo a permanente liberdade de se reinventar com afirma Zilles:

O homem é determinado por seus atos. Só a ação permite ao homem viver. O ponto de partida é, pois, a subjetividade. Na verdade, as coisas serão como o homem tiver decidido que devem ser, pois realidade só há na ação do homem. Desta maneira, a       filosofia de Sartre é uma filosofia da ação, do engajamento decidido. O que conta é o engajamento, o compromisso total. (ZILLES, 1995, p. 61).

            Com isso, o que pretendo fazer é analisar as condutas livres, pois a partir delas poderei me aproximar do significado da liberdade e, mais especificamente, poderei entender o que significa dizer que o homem é livre para Sartre. Assim, uma das primeiras características que identifico como sendo característica deste sujeito livre sartreano é o seu poder de eleição como afirma Mateo: “Encontramos que a primeira significação da liberdade sartreana é: poder eleger ser tal pessoa. Para realizar esta eleição, o homem não conta com valores objetivos, com mandatos nem leis, com modelos nem guias, porque o que elege ser é configurado a partir da liberdade” (MATEO, 1975, p. 31).
Portanto, se faz mister dizer que ao afirmarmos que a existência      precede a essência estamos refutando qualquer tipo de determinismo em relação à conduta humana e estamos afirmando que o ser humano é absolutamente livre. “Com efeito, se a           existência precede a essência, nada poderá jamais ser explicado por referência a uma natureza          humana dada e definitiva; ou seja, não existe determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade” (EH, 1987, p. 9).



9. REFERÊNCIAS

ARENDT, Annah. A condição humana. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
BORNHEIM, Gerd Alberto. Sartre, metafísica e existencialismo. São Paulo: Perspectiva, 2005.
CARVALHO, José Maurício de (Org.). Problemas e teorias da ética contemporânea. Porto Alegre: Edipucrs, 2004.
CASTRO, Fabio Caprio Leite de. Consequências morais de conceito de má-fé em Jean- Paul Sartre. Porto Alegre, 2005. Dissertação (Mestrado em Filosofia). Pós-graduação em Filosofia da PUCRS, 2005. 243 p.
DANELON, Márcio. O conceito Sartreano de liberdade: implicações éticas. Urutágua. Revista Acadêmica Multidisciplinar (DCE/UEM). Maringá, ISSN 1519.6178, ano I, n. 04 maio de 2002.
HOOK, Sidney. Determinismo e liberdade. São Paulo: Fundo de Cultura, 1964.
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[1] Portanto, com a morte de Deus, o senhor que detinha a história e os destinos em suas mãos, os homens assumem estes destinos e o fazem existindo. Portanto, as categorias do sentido, do bem, do justo, são assumidas pelo próprio homem que no uso de sua racionalidade vai afirmá-las ou negá-las. Desta maneira, nada mais é definitivo; tudo é transitório. Por isso a existência precede a essência; e a essência, só vai ser conhecida no final da história narrada pelo historiador. Muitas vezes nem o próprio sujeito conhece sua essência, sabe apenas de sua existência. Conforme nos diz Hannah Arendt: A história real, em que nos engajamos durante toda a vida, não tem criador visível nem invisível porque não é criada. O único alguém que ela revela é o seu herói, e ela é o único meio pelo qual a manifestação originalmente intangível de um quem singularmente diferente torna-se ex post facto através da ação e do discurso. Só podemos saber quem um homem foi se conhecermos a história da qual ele é o herói - em outras palavras, sua biografia; [...] (ARENDT, 2005, p. 129).
[2] Mas, por ser livre, o Para-Si, ao surgir, apenas existe, descobre-se no mundo, vazio, uma total indeterminação de si mesmo. No começo, não é nada - apenas uma “possibilidade de ser”. A partir dessa pura existência, o homem se faz a si mesmo e cria a sua essência. Isso explica o princípio sartreano de que “a existência precede a essência” (PERDIGÃO, 1995, p. 90).
[3] [...] a realidade-humana é seu próprio nada. Ser, para o Para-si, é nadificar o Em-si que ele é. Nessas condições, a liberdade não pode ser senão esta nadificação. É através dela que o Para-si escapa de seu ser, como de sua essência; é através dela que constitui sempre algo diverso daquilo que pode-se dizer dele, pois ao menos é aquele que escapa a esta denominação mesmo, aquele que já está além do nome que se lhe dá ou da propriedade que se lhe reconhece. Dizer que o Para-si tem de ser o que é, dizer que é o que não é não sendo o que é, dizer que, nele, a existência precede e condiciona a essência, ou inversamente, segundo a fórmula de Hegel, para quem “Wesen ist was gewesen ist” - tudo isso é dizer uma só e mesma coisa, a saber: que o homem é livre. (SN, 1997, p. 543).